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quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Haneke e o seu novo Funny Games

Arno Frisch e a piscadinha no ‘Funny Games’ original

por Rudá Almeida

No cinema ou em qualquer outra arte, o remake é invariavelmente posto como sinônimo de inferioridade. Por vezes ele surge apenas com o claro objetivo de arrecadar mais dinheiro, por vezes como uma maneira de corrigir pequenos defeitos da obra original e de fazer uma adaptação desta aos tempos factuais. No caso do filme Violência Gratuita (Funny Games), de Michael Haneke, nenhum desses casos se aplica. Segundo o diretor, a refilmagem de seu maior clássico foi apenas uma maneira de “colocá-lo em seu devido lugar” e, claro, de pura autodefesa.

Quando soube que os direitos de produção de dois de seus filmes - o austríaco Violência Gratuita e o francês Caché - tinham sido comprados, e ambos ganhariam versão americana, Haneke bateu o pé e exigiu que o próprio fosse, ao menos, diretor do remake de sua obra maior. Seria difícil aceitar que um americano qualquer retirasse todo o “conceito” por trás da violência apresentada e transformasse o seu Funny Games numa espécie de Jogos Mortais com menos sangue. Mas, segundo o diretor, o desejo antigo de levar o filme ao grande público dos Estados Unidos, ou seja, aos verdadeiros consumidores da violência, foi o principal motivo para a realização da versão americana. Porque mesmo que o original se destinasse também a esse público, o obstáculo da língua fez com que ele passasse apenas no circuito alternativo, nas “sessões de arte”.

Exigência aceita, Funny Games U.S., como está sendo chamado, ganhou produção da Warner Independent e conta com Tim Roth, Michael Pitt e Naomi Watts nos papéis principais. Elenco afiado, como o da versão austríaca, com os excelentes Ulrich Mühe e Arno Frisch. Até os demais atores, nos papéis secundários, estão igualmente bem às suas fontes. O remake ainda conta com o mesmo argumento, mesmos diálogos e mesmos planos do original, só se diferenciando em três desprezíveis detalhes, aqui, escrotamente revelados por mim: 1) raça do cachorro da família feliz, 2) cena do tá-quente-tá-frio sem a piscadinha pra câmera, 3) comparsa gordinho da dupla brincalhona não-gordinho.

Michael Pitt, sem a piscadinha, no remake

Não se preocupe com o spoiler. O que conta mesmo em Violência Gratuita é a nossa reação ao que acontece na tela, o objetivo primordial do filme é brincar com os sentimentos do espectador. Tudo nele foi feito pensando nas reações e nos desejos do público. Quando aceitamos, mais uma vez, acompanhar a história da família feliz que vai passar as férias na casa do lago e é subitamente atacada por dois jovens que gostam de brincar de matar, é natural que simpatizemos com a família, não é? Hanneke sabe disso e decide, então, brincar com a nossa preferência afetiva nos frustrando cena-a-cena, tornando os ‘funny games’ do título cada vez mais sádicos.

Pra piorar a situação, há diversas cenas em que Arno Frisch (no original) e Michael Pitt (no remake) olham para a câmera e se dirigem a nós, seja dando uma piscadinha/sorrisinho aterrador ou conversando mesmo, fazendo perguntas como: “E aí, quer mais sangue agora ou eu espero um pouquinho, meu chapa?”. Isso faz com que nossa sensação de desconforto aumente ainda mais. Não só pelo fato de lembrarmos que somos testemunhas de tudo que acontece alí, mas também pelo fato de, sem querer, nos aproximarmos dos dois e, como patinhos, entrarmos em seu jogo.

Foi o que aconteceu comigo três anos após de ter visto a versão austríaca e é provavelmente o que aconteceu com quem viu pela primeira vez agora a versão americana. Mesmo que não tenha mais o efeito surpresa do original - lançado há mais de dez anos - Funny Games U.S. parece provocar ainda a mesma reação de amor e ódio em quem assiste. Por isso, se sua namorada virar a cara e disser que o filme é uma merda ou alguém se levantar no cinema, gritar “Fascista!” e após isso abandonar a sala, não se surpreenda. Quando um filme é fácil de odiar, o problema é com eles, mr. Haneke explica.

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