homefestaquem somoscontatoflickrorkut
destaque
cinema

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Eu prefiro os curtas

Cena de 'Yeah Yeah Yeah', de Marçal Fores.

por Michel Heberton

Quando se fala de cinema, qual é a primeira coisa que se passa pela cabeça? Um filme, com duração média de 90 minutos e aquela narrativa conhecida – uma mocinha, um vilão, um herói e o final feliz. Não que isso não seja bacana, tem seu tempo, mas como garoto peralta, resolvi gostar de coisas um pouco diferentes.

Lembro de ter uns 8 anos e ir ao cinema com meus pais e achar os filmes muito longos, queria que as coisas se resolvessem logo e ver outro filme. “Os Trapalhões” fizeram mesmo parte da minha infância, mas a salvação da lavoura era um tio que sempre aos nos visitar carregava consigo umas fitas VHS com alguns curtas-metragens. Fiquei fascinado à primeira vista. Pensei: “Já!? Já acabou? que massa!” e assim começou o meu amor pelo curta-metragem, de verdade.

A linguagem do curta –metragem, em suma, exige que as idéias sejam claras, ou não, e que tenha uma narrativa ágil, ou não. Porém, não há espaço para aprofundamento de personagens, ações ou variáveis. No curta, os espaços para as experimentações são maiores já que em boa parte, são de baixo orçamento e chegam a ser bem mais interessantes que muitos longas por aí, mas não vou ficar com esse discurso.

Um dos curtas mais legais e interessante vistos por mim é esse aqui: Parte 1, Parte 2. Trata-se de Yeah Yeah Yeah (35mm, 2005, cor, 12 min, Espanha), dirigido pelo Marçal Fores, que rodou no festival de Brasília, em 2007 e em outros pequenos festivais. De forma dinâmica e mais do que contemporânea, o filmeto conta uma história de amor, regada a boa música, uma edição ágil e fortes referências ao mundo pop. Destaque para a dancinha presente no filme.

Uma das coisas mais bacanas é que com a facilidade que temos de trocar esses arquivos via web, ótimos trabalhos são descobertos num estalar de dedos e grandes cineastas surgem aí. Hoje temos premiações para vídeos de curta metragem postados na internet e isso gera renda, lucro e público para os produtores. Devemos sim, prestigiar e procurar saber mais sobre essas produções tão acessíveis e tão esquecidas. O merchan dos meus curtas faço na seqüência.

quinta-feira, 28 de agosto de 2008

Serviço Involuntário de Utilidade Pública

Cena de 'Santiago', de João Moreira Salles.

por Tiago Lopes

Acho que certos documentaristas brasileiros deveriam ser distribuídos em algumas cidades como o é o Bolsa-família: as pessoas têm o direito de possuírem um Eduardo Coutinho ou um João Moreira Salles por perto para que esses possam atenuar as dificuldades de suportar a vida. Não que eles tenham que distribuir quantias irrisórias de dinheiro para a vida ser menos insuportável, eles só precisam fazer o que fazem melhor: tornar certas pessoas, costumeiramente conhecidas como “gentinhas”, em seres realmente admiráveis, nem que seja pelo tempo em que estão sendo expostas na tela, porque, mesmo que seja por duas horas, dá para o telespectador fazer uma generalização de bom grado e renovar a fé na humanidade ao menos por três semanas depois de ver um desses filmes.

Tome como um bom exemplo Jogo de Cena. É um filme genial e, antes de ceder gentilmente esse adjetivo um tanto banalizado nos dias de hoje a esse documentário, tive que revê-lo uma duas vezes para não diminuir seu tamanho chamando-o apenas de “ridiculamente ótimo”, mas genial mesmo. O Coutinho, diretor desse documentário, usou como base depoimentos de mulheres que descreviam situações difíceis na vida de autênticas representantes da “gentinha”: gravidez indesejada, brigas familiares, prostituição e mais tantas outras coisas que assolam a cabeça de empregadas Brasil afora. Chamou algumas atrizes profissionais (Marília Pêra, Andréa Beltrão, Fernanda Torres) e fez com que esses depoimentos fossem interpretados tanto pelas profissionais como pelas supostas donas dessas experiências. Em nenhum momento você descobre quem está falando a verdade, ou se tal história foi realmente vivida por quem está narrando. Mas, da mais banal e estúpida experiência a mais complexa, todas são emocionantes de uma maneira única. Não importa se quem está narrando é uma atriz com mais de 50 anos de experiência ou uma suburbana de 15 anos, em algum momento os olhos ficam genuinamente marejados.

João Moreira Salles nos fez acreditar que nunca foi muito afeito a embelezamentos da plebe ignara. Ficou famoso por: desnudar coisas, como a guerra entre o tráfico carioca e a polícia em Notícias de Uma Guerra Particular; enfatizar a beleza do que já tinha lá a sua graça no documentário sobre o pianista Nelson Freire; e dar um belo tratamento fotográfico ao maior mantenedor do “gentinha life-style” de todos os tempos, Luís Inácio Lula da Silva, em Entreatos. Em seu último documentário, Santiago, João Moreira Salles dá a entender que sempre quis, desde o começo, aprender a transformar o desinteresse em “ordinary peoples” em algo apreciável e vendável, sem explorar a estética da pobreza. Frustrou-se com o resultado início e se desviou do caminho da luz.

A frustração derivou da primeira tentativa feita por Moreira Salles de contar a história de Santiago Merlo, mordomo da sua família por algumas décadas. Mas o aspecto de “pessoa ordinária” que seu personagem principal guarda é apenas na profissão de serviçal que escolheu seguir. Santiago possuía vasto conhecimento de música erudita e tinha a estranha mania de transcrever páginas e mais páginas de livros que contavam a história de grandes dinastias e linhagens nobres, o que lhe conferia um incomum conhecimento sobre questões que não interessavam a ninguém, mas impressionavam quando respondidas. Não satisfeito com o que fez em 1992, o diretor arquivou as imagens gravadas e só voltou a vê-las novamente quando resolveu fazer Santiago, um filme sobre a frustração de 1992, sobre seu mordomo, sobre sua relação com os membros da sua família e sobre mais um sem-número de temas nascidos da truncada metalinguagem contida na idéia do filme.

O mais interessante desdobramento de Santiago – porque é um filme que te dá tantas opções de escolha quanto boy-bands te ofereciam em 1999, você TEM que dar preferência a alguma – é a exposição da maior falha ocorrida em 1992: como João Moreira Salles, um documentarista que supostamente prezava pela boa ética na feitura de um filme, se intrometia na relação do seu entrevistado com a câmera, que deveria ser a mais livre de interferências possível. Em Santiago, Moreira Salles não só expôs, como dissecou as causas de todo o seu comportamento arrogante para com o mordomo, do jeito abrupto que interferia nos depoimentos dados por Santiago, passando pela maneira como comandava a linguagem corporal do mordomo, até ao cúmulo de interromper o entrevistado quando esse enveredava por um caminho que não lhe interessava. Esse “caminho” era justamente o que Santiago mais ansiava em mostrar e, quando era calado pelo diretor, a expressão de decepção na sua cara provoca uma pena quase insuportável em quem assiste.

Já Eduardo Coutinho possui uma vantagem única em estabelecer com uma rapidez assustadora um vínculo de confiança com seu entrevistado. Nem é por causa de técnicas misteriosas de persuasão não, é só porque ele possui essa cara:

 

 

Impossível não achar que esse senhor já é um amigo íntimo quando ele começa a demonstrar interesse por você, sustentando essa expressão facial simpática e usando um tom de voz sempre agradável, que é capaz de fazer você responder do sofá da sua sala tudo que ele pergunta na tela. Daí para moldar o que seu entrevistado quer falar aos seus interesses (e pessoas ordinárias, na frente de uma câmera, querem fazer biografias em tempo real), Coutinho nem precisa de muita coisa, só fazer as perguntas certas mesmo. Quando o entrevistado já se sente tão íntimo que a única maneira que consegue achar de mostrar uma intimidade ainda mais profunda é cantar para a câmera, surgem aqueles “números musicais” que sempre arrancam umas lágrimas da platéia. Em Jogo de Cena, a “seqüência musical” foi devastadora como pouca coisa que já vi.

Ao fim de cada um desses filmes, sinto que esses diretores acabaram de prestar um grandessíssimo serviço de utilidade pública involuntariamente: tornar mais suportável e manter num nível pacífico a convivência com pessoas que não significam nada pra você e teimam em se colocar no seu campo de visão se comportando de maneira chula e escandalosa. Dá até vontade de dar um grande “boa noite” ao entrar num ônibus e ser educado com todos os presentes depois de ver filmes assim.

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Haneke e o seu novo Funny Games

Arno Frisch e a piscadinha no ‘Funny Games’ original

por Rudá Almeida

No cinema ou em qualquer outra arte, o remake é invariavelmente posto como sinônimo de inferioridade. Por vezes ele surge apenas com o claro objetivo de arrecadar mais dinheiro, por vezes como uma maneira de corrigir pequenos defeitos da obra original e de fazer uma adaptação desta aos tempos factuais. No caso do filme Violência Gratuita (Funny Games), de Michael Haneke, nenhum desses casos se aplica. Segundo o diretor, a refilmagem de seu maior clássico foi apenas uma maneira de “colocá-lo em seu devido lugar” e, claro, de pura autodefesa.

Quando soube que os direitos de produção de dois de seus filmes - o austríaco Violência Gratuita e o francês Caché - tinham sido comprados, e ambos ganhariam versão americana, Haneke bateu o pé e exigiu que o próprio fosse, ao menos, diretor do remake de sua obra maior. Seria difícil aceitar que um americano qualquer retirasse todo o “conceito” por trás da violência apresentada e transformasse o seu Funny Games numa espécie de Jogos Mortais com menos sangue. Mas, segundo o diretor, o desejo antigo de levar o filme ao grande público dos Estados Unidos, ou seja, aos verdadeiros consumidores da violência, foi o principal motivo para a realização da versão americana. Porque mesmo que o original se destinasse também a esse público, o obstáculo da língua fez com que ele passasse apenas no circuito alternativo, nas “sessões de arte”.

Exigência aceita, Funny Games U.S., como está sendo chamado, ganhou produção da Warner Independent e conta com Tim Roth, Michael Pitt e Naomi Watts nos papéis principais. Elenco afiado, como o da versão austríaca, com os excelentes Ulrich Mühe e Arno Frisch. Até os demais atores, nos papéis secundários, estão igualmente bem às suas fontes. O remake ainda conta com o mesmo argumento, mesmos diálogos e mesmos planos do original, só se diferenciando em três desprezíveis detalhes, aqui, escrotamente revelados por mim: 1) raça do cachorro da família feliz, 2) cena do tá-quente-tá-frio sem a piscadinha pra câmera, 3) comparsa gordinho da dupla brincalhona não-gordinho.

Michael Pitt, sem a piscadinha, no remake

Não se preocupe com o spoiler. O que conta mesmo em Violência Gratuita é a nossa reação ao que acontece na tela, o objetivo primordial do filme é brincar com os sentimentos do espectador. Tudo nele foi feito pensando nas reações e nos desejos do público. Quando aceitamos, mais uma vez, acompanhar a história da família feliz que vai passar as férias na casa do lago e é subitamente atacada por dois jovens que gostam de brincar de matar, é natural que simpatizemos com a família, não é? Hanneke sabe disso e decide, então, brincar com a nossa preferência afetiva nos frustrando cena-a-cena, tornando os ‘funny games’ do título cada vez mais sádicos.

Pra piorar a situação, há diversas cenas em que Arno Frisch (no original) e Michael Pitt (no remake) olham para a câmera e se dirigem a nós, seja dando uma piscadinha/sorrisinho aterrador ou conversando mesmo, fazendo perguntas como: “E aí, quer mais sangue agora ou eu espero um pouquinho, meu chapa?”. Isso faz com que nossa sensação de desconforto aumente ainda mais. Não só pelo fato de lembrarmos que somos testemunhas de tudo que acontece alí, mas também pelo fato de, sem querer, nos aproximarmos dos dois e, como patinhos, entrarmos em seu jogo.

Foi o que aconteceu comigo três anos após de ter visto a versão austríaca e é provavelmente o que aconteceu com quem viu pela primeira vez agora a versão americana. Mesmo que não tenha mais o efeito surpresa do original - lançado há mais de dez anos - Funny Games U.S. parece provocar ainda a mesma reação de amor e ódio em quem assiste. Por isso, se sua namorada virar a cara e disser que o filme é uma merda ou alguém se levantar no cinema, gritar “Fascista!” e após isso abandonar a sala, não se surpreenda. Quando um filme é fácil de odiar, o problema é com eles, mr. Haneke explica.

sexta-feira, 1 de agosto de 2008

As canções de Honoré

por Michel Heberton

Nunca fui muito fã de musicais, quer dizer, nunca FUI fã. Tenho respeito pelo Cantando na Chuva, mas ficar nessas de “Oh! Moulin Rouge é fantástico”, “Chicago é O musical” é um pouco demais pra mim. Ok! Podem me atirar pedras, mas junto os dois e não me faz falta. A música é um elemento importantíssimo na narrativa de um filme, seja incidental ou aquela de uma banda famosa que tá na trilha para que todo mundo cante junto depois. Entretanto, juntar atores com aspiração à música com uma narrativa, geralmente mela-cueca, não dá, até que...

Christophe Honoré, cineasta francês, diretor de filmes como A minha Mãe e Em Paris - recomendo - fez rever meus conceitos a cerca de musicais quando lançou As Canções de Amor. A priori o filme apresenta uma narrativa simples, divida em três atos, mostrando uma França em tom de cinza, fria e mais chique do que nunca. Mas o romantismo clássico acaba por ai.

Honoré nos leva a conhecer a vida de Ismael Benoliel (Louis Garrel), um jovem francês que é apaixonado por Julie (Ludivine Sagnier) e o casal tem um caso com a Alice (Clotilde Hesme). A partir daí as coisas vão tomando um rumo bem inesperado. É ai em que as canções de Honoré fazem todo o sentido. Retratando os anseios, vontades, desejos dos personagens principais as músicas soam naturalmente da boca dos atores, nada com dançinhas ou coisas a lá Grease. Tudo é espontâneo e se tornam um forte aliado a narrativa.

Um dos pontos altos é a entrada de Erwann (Grégoire Leprince-Ringuet) iniciando um processo de desconstrução dos estereótipos que temos: nossa sexualidade focada apenas em hétero, gay, bi/outros mostrando que temos, sim, apenas sexualidade. O interesse vem de acordo com cada um. De um final belo, As canções de Amor prova que um musical pode ser interessante, relevante e principalmente atual.

rodape
design por rafael bessa